MÓDULO II – CONTABILIDADE GERENCIAL: PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DE CONTABILIDADE

1. Introdução

Este módulo tem como objetivo esclarecer ao aluno sobre os princípios que fundamentam a contabilidade no Brasil, dando uma clara visão de sua importância como base para a padronização contábil, permitindo assim, maior transparência e clareza na análise das informações contábeis por parte de seus usuários.

Alguns autores não trazem este assunto no início de seus trabalhos, mas acreditamos que para se entender o que se faz , é importante compreender o porquê, a base conceitual que gerou uma determinada decisão de avaliação ou interpretação de um fato contábil.

2. Conceito de Pincípio de uma Ciência

De acordo com o dicionário Houaiss, entre outros conceitos, princípio é: “lei de caráter geral com papel fundamental no desenvolvimento de uma teoria e da qual outras leis podem ser derivadas” (grifo nosso).

A contabilidade, como ciência social factual, está sujeita as mudanças decorrentes das influências da realidade vigente e de outras ciências sociais que convivem no mesmo cenário (direito, economia, administração etc.). Sendo assim, os Princípios Fundamentais que regem a contabilidade têm a função de estrutura central, podemos chamar de “viga mestra” que irá apoiar todos os procedimentos contábeis.

3. Princípios Fundamentais de Contabilidade no Brasil

No Brasil existem duas publicações que definem os princípios fundamentais de contabilidade. A primeira publicação refere-se ao estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras - IPECAFI, o qual foi publicado pelo Instituto Brasileiro de Contadores – IBRACON, e aprovado e referendado pela COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS – CVM através da DELIBERAÇÃO CVM Nº 29, DE 05 DE FEVEREIRO DE 1986.

Nesta publicação, a estrutura conceitual da contabilidade é dividida em três níveis hierárquicos. Os POSTULADOS AMBIENTAIS, os PRINCÍPIOS PROPRIAMENTE DITOS e as CONVENÇÕES ou restrições aos princípios. Os pesquisadores deixam bem claro que esta hierarquização tem como objetivo o melhor entendimento da evolução e do entrelaçamento dos conceitos e não apresentar maior ou menor grau de importância de seus efeitos sobre a prática contábil.

A publicação define essa hierarquização fazendo uma analogia à filosofia onde:

  1. Os POSTULADOS AMBIENTAIS seriam como os AXIOMAS, que são premissas consideradas verdadeiras sem ter a necessidade de serem demonstradas;
  2. Os PRINCÍPIOS PROPRIAMENTE DITOS seriam como os TEOREMAS, que são uma resposta concreta a abstração dos axiomas, tendo sua evidencia suportado por demonstração;
  3. As CONVENÇÕES seriam como os COROLÁRIOS, que são verdades decorrentes de outras, isto é, uma verdade conseqüente de outra verdade.

Então, de acordo com a publicação do IBRACON, temos a seguinte estrutura dos Princípios Fundamentais:

A outra publicação sobre o tema se encontra na Resolução CFC no. 750/93 e posteriormente complementada através de um apêndice na Resolução CFC no. 774/94, ambas do  CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE – CFC (órgão criado pelo Decreto-lei 9.295 de 27/05/46 com a finalidade de habilitar e fiscalizar o exercício da profissão contábil, definir as atribuições de Contador e de Técnico em Contabilidade, além de desenvolver e publicar Normas Técnicas e Pareceres sobre questões contábeis). Logo em seu primeiro artigo, o C.F.C. deixa bem claro que os Princípios Fundamentais de Contabilidade no Brasil devem ser os enunciados pela resolução 750/93 e que sua observância deve ser obrigatória pelos que exercem a profissão contábil.

De acordo com o artigo 3º. da Res. C.F.C. 750/93, são Princípios Fundamentais de Contabilidade:

Aparentemente passa-se a impressão de discordância entre o C.F.C. e o IBRACON e CVM quanto a interpretação desses conceitos. O primeiro entende que todos são princípios e o segundo apresenta uma escala de hierarquização.

 O fato é que não existe realmente um conflito de conceitos, como veremos em seguida no quadro abaixo, apenas em alguns casos, uma necessidade de detalhamento de um determinado princípio.

DELIBERAÇÃO CVM Nº 29, DE 05/02/86

RESOLUÇÃO C.F.C. 750/93

POSTULADO DA ENTIDADE

PRINCÍPIO DA ENTIDADE

POSTULADO DA CONTINUIDADE

PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE

PRINCÍPIO DO CUSTO COMO BASE DE VALOR

PRINCÍPIO DO REGISTRO PELO VALOR ORIGINAL

PRINCÍPIO DO DENOMINADOR COMUM MONETÁRIO

PRINCÍPIO DA ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA

PRINCÍPIO DA REALIZAÇÃO DA RECEITA

PRINCÍPIO DA COMPETÊNCIA

PRINCÍPIO DO CONFRONTO DAS DESPESAS COM AS RECEITAS E COM OS PERÍODOS CONTÁBEIS

CONVENÇÃO DO CONSERVADORISMO

PRINCÍPIO DA PRUDÊNCIA

CONVENÇÃO DA OBJETIVIDADE

PRINCÍPIO DA OPORTUNIDADE

 

CONVENÇÃO DA MATERIALIDADE

CONVENÇÃO DA CONSISTÊNCIA

A seguir, transcrevemos a RESOLUÇÃO CFC No. 750/93 por sua importância a contabilidade e por sua repercussão nas demonstrações contábeis brasileiras.

4. Princípios Fundamentais e Normas Brasileiras de Contabilidade 2003

Conselho Federal de Contabilidade

RESOLUÇÃO CFC N.º 750/93
Dispõe sobre os Princípios Fundamentais de Contabilidade.

O CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE, no exercício de suas atribuições legais e regimentais, CONSIDERANDO que a evolução da última década na área da Ciência Contábil reclama a atualização substantiva e adjetiva dos Princípios Fundamentais de Contabilidade a que se refere a Resolução CFC nº 530/81. RESOLVE:

CAPÍTULO I
DOS PRINCÍPIOS E DE SUA OBSERVÂNCIA
Art. 1º Constituem PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DE CONTABILIDADE (P.F.C.)
os enunciados por esta Resolução.
§ 1º A observância dos Princípios Fundamentais de Contabilidade é obrigatória no exercício da profissão e constitui condição de legitimidade das Normas Brasileiras de Contabilidade (NBC).
§ 2º Na aplicação dos Princípios Fundamentais de Contabilidade há situações concretas, a essência das transações deve prevalecer sobre seus aspectos formais.

CAPÍTULO II
DA CONCEITUAÇÃO, DA AMPLITUDE E DA ENUMERAÇÃO
Art. 2º Os Princípios Fundamentais de Contabilidade representam a essência das doutrinas e teorias relativas à Ciência da Contabilidade, consoante o entendimento predominante nos universos científico e profissional de nosso País.
Concernem, pois, à Contabilidade no seu sentido mais amplo de ciência social, cujo objeto é o Patrimônio das Entidades.
Art. 3º São Princípios Fundamentais de Contabilidade:
I) o da ENTIDADE;
II) o da CONTINUIDADE;
III) o da OPORTUNIDADE;
IV) o do REGISTRO PELO VALOR ORIGINAL;
V) o da ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA;
VI) o da COMPETÊNCIA e
VII) o da PRUDÊNCIA.

SEÇÃO I
O PRINCÍPIO DA ENTIDADE

Art. 4º O Princípio da ENTIDADE reconhece o Patrimônio como objeto da Contabilidade e afirma a autonomia patrimonial, a necessidade da diferenciação de um Patrimônio particular no universo dos patrimônios existentes, independentemente de pertencer a uma pessoa, um conjunto de pessoas, uma sociedade ou instituição de qualquer natureza ou finalidade, com ou sem fins lucrativos. Por conseqüência, nesta acepção, o patrimônio não se confunde com aqueles dos seus sócios ou proprietários, no caso de sociedade ou instituição.

Parágrafo único. O PATRIMÔNIO pertence à ENTIDADE, mas a recíproca não é verdadeira. A soma ou agregação contábil de patrimônios autônomos não resulta em nova ENTIDADE, mas numa unidade de natureza econômico-contábil.

SEÇÃO II
O PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE

Art. 5º A CONTINUIDADE ou não da ENTIDADE, bem como sua vida definida ou provável, devem ser consideradas quando da classificação e avaliação das mutações patrimoniais, quantitativas e qualitativas.
§ 1º A CONTINUIDADE influencia o valor econômico dos ativos e, em muitos casos, o valor ou o vencimento dos passivos, especialmente quando a extinção da ENTIDADE tem prazo determinado, previsto ou previsível.
§ 2º A observância do Princípio da CONTINUIDADE é indispensável à correta aplicação do Princípio da COMPETÊNCIA, por efeito de se relacionar diretamente à quantificação dos componentes patrimoniais e à formação do resultado, e de constituir dado importante para aferir a capacidade futura de geração de resultado.

SEÇÃO III
O PRINCÍPIO DA OPORTUNIDADE

Art. 6º O Princípio da OPORTUNIDADE refere-se, simultaneamente, à tempestividade e à integridade do registro do patrimônio e das suas mutações, determinando que este seja feito de imediato e com a extensão correta, independentemente das causas que as originaram.

Parágrafo único. Como resultado da observância do Princípio da OPORTUNIDADE:

I – desde que tecnicamente estimável, o registro das variações patrimoniais deve ser feito mesmo na hipótese de somente existir razoável certeza de sua ocorrência;
II – o registro compreende os elementos quantitativos e qualitativos, contemplando os aspectos físicos e monetários;
III – o registro deve ensejar o reconhecimento universal das variações ocorridas no patrimônio da ENTIDADE, em um período de tempo determinado, base necessária para gerar informações úteis ao processo decisório da gestão.

SEÇÃO IV
O PRINCÍPIO DO REGISTRO PELO VALOR ORIGINAL

Art. 7º Os componentes do patrimônio devem ser registrados pelos valores originais das transações com o mundo exterior, expressos a valor presente na moeda do País, que serão mantidos na avaliação das variações patrimoniais posteriores, inclusive quando configurarem agregações ou decomposições no interior da ENTIDADE.

Parágrafo único. Do Princípio do REGISTRO PELO VALOR ORIGINAL resulta:

I – a avaliação dos componentes patrimoniais deve ser feita com base nos valores de entrada, considerando-se como tais os resultantes do consenso com os agentes externos ou da imposição destes;
II – uma vez integrado no patrimônio, o bem, direito ou obrigação não poderão ter alterados seus valores intrínsecos, admitindo-se, tão-somente, sua decomposição em elementos e/ou sua agregação, parcial ou integral, a outros elementos patrimoniais;
III – o valor original será mantido enquanto o componente permanecer como parte do patrimônio, inclusive quando da saída deste;
IV – os Princípios da ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA e do REGISTRO PELO VALOR ORIGINAL são compatíveis entre si e complementares, dado que o primeiro apenas atualiza e mantém atualizado o valor de entrada;
V – o uso da moeda do País na tradução do valor dos componentes patrimoniais constitui imperativo de homogeneização quantitativa dos mesmos.

SEÇÃO V
O PRINCÍPIO DA ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA

Art. 8º Os efeitos da alteração do poder aquisitivo da moeda nacional devem ser reconhecidos nos registros contábeis através do ajustamento da expressão formal dos valores dos componentes patrimoniais.

Parágrafo único. São resultantes da adoção do Princípio da ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA:

I – a moeda, embora aceita universalmente como medida de valor, não representa unidade constante em termos do poder aquisitivo;
II – para que a avaliação do patrimônio possa manter os valores das transações originais (art. 7º), é necessário atualizar sua expressão formal em moeda nacional, a fim de que permaneçam substantivamente corretos os valores dos componentes patrimoniais e, por conseqüência, o do patrimônio líquido;
III – a atualização monetária não representa nova avaliação, mas, tão-somente, o ajustamento dos valores originais para determinada data, mediante a aplicação de indexadores, ou outros elementos aptos a traduzir a variação do poder aquisitivo da moeda nacional em um dado período.

SEÇÃO VI
O PRINCÍPIO DA COMPETÊNCIA

Art. 9º As receitas e as despesas devem ser incluídas na apuração do resultado do período em que ocorrerem, sempre simultaneamente quando se correlacionarem, independentemente de recebimento ou pagamento.
§ 1º O Princípio da COMPETÊNCIA determina quando as alterações no ativo ou no passivo resultam em aumento ou diminuição no patrimônio líquido,  estabelecendo diretrizes para classificação das mutações patrimoniais, resultantes da observância do Princípio da OPORTUNIDADE.
§ 2º O reconhecimento simultâneo das receitas e despesas, quando correlatas, é conseqüência natural do respeito ao período em que ocorrer sua geração.
§ 3º As receitas consideram-se realizadas:

I – nas transações com terceiros, quando estes efetuarem o pagamento ou assumirem compromisso firme de efetivá-lo, quer pela investidura na propriedade de bens anteriormente pertencentes à ENTIDADE, quer pela fruição de serviços por esta prestados;
II – quando da extinção, parcial ou total, de um passivo, qualquer que seja o motivo, sem o desaparecimento concomitante de um ativo de valor igual ou maior;
III – pela geração natural de novos ativos independentemente da intervenção de terceiros;
IV – no recebimento efetivo de doações e subvenções.
§ 4º Consideram-se incorridas as despesas:
I – quando deixar de existir o correspondente valor ativo, por transferência de sua propriedade para terceiro;
II – pela diminuição ou extinção do valor econômico de um ativo;
III – pelo surgimento de um passivo, sem o correspondente ativo.

SEÇÃO VII
O PRINCÍPIO DA PRUDÊNCIA

Art. 10 O Princípio da PRUDÊNCIA determina a adoção do menor valor para os componentes do ATIVO e do maior para os do PASSIVO, sempre que se apresentem alternativas igualmente válidas para a quantificação das mutações patrimoniais que alterem o patrimônio líquido.
§ 1º O Princípio da PRUDÊNCIA impõe a escolha da hipótese de que resulte menor patrimônio líquido, quando se apresentarem opções igualmente aceitáveis diante dos demais Princípios Fundamentais de Contabilidade.
§ 2º Observado o disposto no art. 7º, o Princípio da PRUDÊNCIA somente se aplica às mutações posteriores, constituindo-se ordenamento indispensável à correta aplicação do Princípio da COMPETÊNCIA.
§ 3º A aplicação do Princípio da PRUDÊNCIA ganha ênfase quando, para definição dos valores relativos às variações patrimoniais, devem ser feitas estimativas que envolvem incertezas de grau variável.
Art. 11 A inobservância dos Princípios Fundamentais de Contabilidade constitui infração nas alíneas “c”, “d” e “e” do art. 27 do Decreto-Lei n.º 9.295, de 27 de maio de 1946 e, quando aplicável, ao Código de Ética Profissional do Contabilista.
Art. 12 Revogada a Resolução CFC n.º 530/81, esta Resolução entra em vigor a partir de 1º de janeiro de 1994.

Brasília, 29 de dezembro de 1993.
Contador IVAN CARLOS GATTI
Presidente